Texto retirado do artigo “Para um estudo da escrita feminina além do cânone: Teresa Margarida da Silva e Orta, Carmen Dolores e Julia Lopes de Almeida”.
Hellmann (2015), uma das poucas pesquisadoras de Carmen Dolores, em sua tese de doutorado traz informações relevantes acerca da autora: Emília Moncorvo de Figueiredo nasceu em 11 de março de 1852, na capital brasileira, Rio de Janeiro, usando-se da voz de Carmen Dolores, um de seus pseudônimos, ela se descreve autobiograficamente, no jornal O Paiz, sua educação não convencional em comparação com a educação destinada às meninas de sua época, pois a educação das mulheres no século XIX restringia-as às atividades que fossem úteis na vida doméstica, o espaço que era pré-determinado a elas.
Hellman também diz que Carmen Dolores foi o nome sob o qual Emília, senhora da sociedade de ascendência aristocrática, assinou a maior parte de sua produção escrita. Prestigiada cronista no início do século XX, contribuiu com diversas publicações, ocupando lugar de destaque no jornal O Paiz, o periódico de maior tiragem e circulação na América do Sul nesse período. A principal fonte para se conhecer a escritora são seus próprios textos.
No século XIX, havia uma crença da incapacidade intelectual e produtiva das mulheres, originada de uma sociedade machista patriarcal. Assim, mulheres da elite, como Emília, podiam receber até certo grau de instrução por meio de professores particulares, mas nada que fugisse do habitual. Essas jovens mulheres aprendiam sobre a administração da vida doméstica, como manter a higiene da casa, habilidades sociais para lidar com criados, como se comportar nos salões e tocar algum instrumento musical, o campeão dos instrumentos era o piano. Carmen Dolores, além das habilidades artísticas sabia lidar com as palavras, era fluente em inglês e francês. O trecho seguinte traz uma homenagem que a escritora Júlia Lopes de Almeida escreveu para a Carmen:
Com a sua ilustração, mais de uma vez Carmen Dolores nos afirmou nas suas crônicas ter estudado como um homem e com os melhores mestres do seu tempo, tendo concluído cedo os preparatórios que lhe dariam ingresso em qualquer das nossas escolas superiores, se a isso ela se tivesse proposto, aliás provada à saciedade nos seus escritos; com a sua observação da vida, o seu talento excepcional, o seu temperamento vibrátil, a sua coragem de lutadora e a sua capacidade de trabalho, Carmen Dolores ter-nos-ia legado, a par do nome de jornalista brilhante que deixou, uma obra prodigiosa, se acaso tivesse começado a trabalhar aos vinte anos. Houve ao menos, na sua demora em entrar para a carreira literária que tão ardentemente a solicitava, a glória de ter começado como bem poucas vezes acabam, mesmo os que nela mais lidam e mais se esforçam: - magnificamente (ALMEIDA, 1910, p.1).
Emília casou-se aos 15 anos com Jeronymo Bandeira de Melo. Ele cursou a faculdade de direito, em Recife, onde se bacharelou em Ciências sociais e jurídicas. Tornou-se um dos 100 maiores acionistas do Banco do Brasil em 1870. Com o advento da República houve a fusão entre dois grandes bancos da época, fazendo com que investidores que tinham seu dinheiro nesses locais tivessem seu dinheiro retido. Em 1890, sua família perdeu todo seu dinheiro. Jeronymo faleceu em 1886, quando Emília tinha apenas 34 anos, que nunca arranjou um novo casamento, pelo menos não com um homem físico, mas sim com a literatura. Dessa forma, Emília começou a escrever e a receber por isso, sustentando sua família.
Escrevia para vários periódicos, com essas escritas lançou seu primeiro livro de contos: Gradações/ Páginas Soltas, publicado em 1897. Ela escrevia sempre em suas colunas, porém começou a publicar livros com 45 anos, o grande romance e resumo de sua obra é Um Drama na Roça, publicado em 1907, mostrando a autora sensível às dificuldades e aos dramas femininos.
Carmen Dolores também escrevia contos infantis, lançou um livro Lendas Brasileiras - Coleção de 27 contos para crianças, em 1908, que surpreendeu o público, coletando histórias infantis da oralidade e transcritas numa linguagem simples e acessível. Outras obras, contos lançados no folhetins como a crônica natal publicada em 1904, assinada por Leonel Sampaio, entrou na coletânea de crônicas chamada ao esvoaçar da ideia.
Em 1910 escreveu A Luta, seu único romance considerado naturalista, que traz à tona todo seu anseio feminista de uma sociedade mais igualitaria, feminista, críticando sempre a elite economica e intelectual.
Dolores foi uma mulher à frente de seu tempo, num período de otimismo irreflexivo, mostrou-se atenta às dificuldades enfrentadas pelas mulheres e às diferentes realidades sociais e a partir de suas experiências, compunha contos, crônicas, romances e teatros.